quinta-feira, 25 de junho de 2015

"Em sinal de abertura, Papa Francisco reconhece separação..."

A mídia PAGÃ, como sempre, está ATRASADA em relação à doutrina imutável da Igreja Católica.
Como a doutrina católica é desconhecida!
Desde SÃO PAULO APÓSTOLO (citação abaixo) a Igreja reconhece a separação de corpos como legítima e recomendável em alguns casos. Também o Catecismo e o Código de Direito Canônico o demonstram (citações abaixo).
O vínculo matrimonial de um casamento válido se mantém até a morte, mesmo se estão separados por motivos justos. 



"Se algum irmão(=cristão) tem uma esposa que não possuí a fé (esposa pagã) e esta consinta em habitar com ele, não a repudie. E, se uma esposa tem marido que não possui a fé, e este consinta em habitar com ela, não abandone o seu marido... Se o que não tem fé se afasta, afaste-se; o irmão ou a irmã (cristãos) não estarão sujeitos à servidão em tal caso; Deus nos chamou para a paz» (1 Cor 7,12s. 15).

Catecismo §2383 "A separação dos esposos com a manutenção do vínculo matrimonial pode ser legítima em certos casos previstos pelo Direito canônico (cf. cânones 1151-1155, abaixo).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos legítimos, o cuidado dos filhos ou a defesa do patrimônio, pode ser tolerado sem constituir uma falta moral."

 Código de Direito Canônico: 
http://www.cursoscatolicos.com.br/2011/12/curso-de-iniciacao-teologica.html
Da Separação com Permanência do Vínculo
Cân. 1151 Os cônjuges têm o dever e o direito de manter a
convivência conjugal, a não ser que uma causa legítima os
escuse.
Cân. 1152 § 1. Embora se recomende vivamente que o
cônjuge, movido pela caridade cristã e pela solicitude do bem
da família, não negue o perdão ao outro cônjuge adúltero e
não interrompa a vida conjugal; no entanto, se não tiver
expressa ou tacitamente perdoado sua culpa, tem o direito de
dissolver a convivência conjugal, a não ser que tenha
consentido no adultério, lhe tenha dado causa ou tenha
também cometido adultério.
§ 2. Existe perdão tácito se o cônjuge inocente, depois de
tomar conhecimento do adultério, continuou espontaneamente
a viver com o outro cônjuge com afeto marital; presume-se o
perdão, se tiver continuado a convivência por seis meses, sem
interpor recurso à autoridade eclesiástica ou civil.
§ 3. Se o cônjuge inocente tiver espontaneamente desfeito a
convivência conjugal, no prazo de seis meses proponha a
causa de separação à competente autoridade eclesiástica, a
qual, ponderadas todas as circunstâncias, veja se é possível
levar o cônjuge inocente a perdoar a culpa e a não prolongar
para sempre a separação.
Cân. 1153 § 1. Se um dos cônjuges é causa de grave perigo
para a alma ou para o corpo do outro cônjuge ou dos filhos ou,
de outra forma, torna muito difícil a convivência, está
oferecendo ao outro causa legítima de separação, por decreto
do Ordinário local e, havendo perigo na demora, também por
autoridade própria
§ 2. Em todos os casos, cessando a causa da separação,
deve-se restaurar a convivência, salvo determinação contrária
da autoridade eclesiástica.
Cân. 1154 Feita a separação dos cônjuges, devem-se tomar
oportunas providências para o devido sustento e educação
dos filhos.


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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Selecionamos alguns trechos da CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ , DO SANTO PADRE FRANCISCO, SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM 


Os capítulos são originais da Carta; os subtítulos e grifos são nossos.
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CAPÍTULO I
O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA

SOBERANIAS NACIONAIS - 38

Todavia, ao falar sobre estes lugares, impõe-se um delicado equilíbrio, porque não é possível ignorar também os enormes interesses econômicos internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias nacionais. Com efeito, há «propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais.

CONTRA A POLÍTICA DE REDUÇÃO POPULACIONAL / "SAÚDE REPRODUTIVA" - 50

Em vez de resolver os problemas dos pobres e pensar num mundo diferente, alguns limitam-se a propor uma redução da natalidade. Não faltam pressões internacionais sobre os países em vias de desenvolvimento, que condicionam as ajudas econômicas a determinadas políticas de «saúde reprodutiva ». Mas, «se é verdade que a desigual distribuição da população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e ao uso sustentável do ambiente, deve-se reconhecer que o crescimento demográfico é plenamente compatível com um desenvolvimento integral e solidário». Culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar os problemas. Pretende-se, assim, legitimar o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar, porque o planeta não poderia sequer conter os resíduos de tal consumo.

CONTRA O DESPERDÍCIO - 50

Além disso, sabemos que se desperdiça aproximadamente um terço dos alimentos produzidos, e « a comida que se desperdiça é como se fosse roubada da mesa do pobre.

MUDANÇA DE HÁBITO - 55

É o que acontece – só para dar um exemplo simples – com o crescente aumento do uso e intensidade dos condicionadores de ar: os mercados, apostando num ganho imediato, estimulam ainda mais a procura. Se alguém observasse de fora a sociedade planetária, maravilhar-se-ia com tal comportamento que às vezes parece suicida.

CAPÍTULO II
O EVANGELHO DA CRIAÇÃO

FÉ E RAZÃO - 62

Por que motivo incluir, neste documento dirigido a todas as pessoas de boa vontade, um capítulo referido às convicções de fé? Não ignoro que alguns, no campo da política e do pensamento, rejeitam decididamente a ideia de um Criador ou consideram-na irrelevante, chegando ao ponto de relegar para o reino do irracional a riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do gênero humano; outras vezes, supõe-se que elas constituam uma subcultura, que se deve simplesmente tolerar. Todavia a ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas.

NÃO SOMOS DEUS - 67

Não somos Deus. A terra existe antes de nós e foi-nos dada. Isto permite responder a uma acusação lançada contra o pensamento judaico-cristão: foi dito que a narração do Gênesis, que convida a «dominar» a terra (cf. Gn 1, 28), favoreceria a exploração selvagem da natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Mas esta não é uma interpretação correta da Bíblia, como a entende a Igreja. Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a « cultivar e guardar» o jardim do mundo (cf. Gn 2, 15).

O UNIVERSO DÁ GLÓRIA A DEUS - 69

Ao mesmo tempo que podemos fazer um uso responsável das coisas, somos chamados a reconhecer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e, «pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e Lhe dão glória.

ANTROPOCENTRISMO DESORDENADO - 69

O Catecismo põe em questão, de forma muito direta e insistente, um antropocentrismo desordenado: «Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. (...) As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas».

INTER-RELAÇÃO - 70

O descuido no compromisso de cultivar e manter um correto relacionamento com o próximo, relativamente a quem sou devedor da minha solicitude e custódia, destrói o relacionamento interior comigo mesmo, com os outros, com Deus e com a terra. Quando todas estas relações são negligenciadas, quando a justiça deixa de habitar na terra, a Bíblia diz-nos que toda a vida está em perigo. Assim no-lo ensina a narração de Noé, quando Deus ameaça acabar com a humanidade pela sua persistente incapacidade de viver à altura das exigências da justiça e da paz: «O fim de toda a humanidade chegou diante de Mim, pois ela encheu a terra de violência » (Gn 6, 13). Nestas narrações tão antigas, ricas de profundo simbolismo, já estava contida a convicção atual de que tudo está inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros.

O LUGAR DO HOMEM - 75

Não podemos defender uma espiritualidade que esqueça Deus todo-poderoso e criador. Neste caso, acabaríamos por adorar outros poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do Senhor chegando à pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele. A melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses.

O UNIVERSO NÃO SURGIU DE FORÇAS CEGAS - 77

«A palavra do Senhor criou os céus» (Sl 33/32, 6). Deste modo indica-se que o mundo procede, não do caos nem do acaso, mas duma decisão, o que o exalta ainda mais. Há uma opção livre, expressa na palavra criadora. O universo não apareceu como resultado duma omnipotência arbitrária, duma demonstração de força ou dum desejo de autoafirmação. A criação pertence à ordem do amor. O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação: «Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado».

A NATUREZA NÃO É DEUS - 78

Ao mesmo tempo, o pensamento judaico-cristão desmitificou a natureza. Sem deixar de a admirar pelo seu esplendor e imensidão, já não lhe atribui um caráter divino. Deste modo, ressalta ainda mais o nosso compromisso para com ela.

O HOMEM DEVE COOPERAR COM DEUS - 80

Apesar disso, Deus, que deseja atuar conosco e contar com a nossa cooperação, é capaz também de tirar algo de bom dos males que praticamos, porque «o Espírito Santo possui uma inventiva infinita, própria da mente divina, que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes humanas mais complexas e impenetráveis». De certa maneira, quis limitar-Se a Si mesmo, criando um mundo necessitado de desenvolvimento, onde muitas coisas que consideramos males, perigos ou fontes de sofrimento, na realidade fazem parte das dores de parto que nos estimulam a colaborar com o Criador.

PREEMINÊNCIA DA PESSOA HUMANA - 90

Isto não significa igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar que, simultaneamente, implica uma tremenda responsabilidade. Também não requer uma divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade. Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios, na tentativa de fugir da realidade que nos interpela. Às vezes nota-se a obsessão de negar qualquer preeminência à pessoa humana, conduzindo-se uma luta em prol das outras espécies que não se vê na hora de defender igual dignidade entre os seres humanos. Devemos, certamente, ter a preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável, mas deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem mais dignos do que outros.

A VERDADEIRA ECOLOGIA - 91

Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos. É evidente a incoerência de quem luta contra o tráfico de animais em risco de extinção, mas fica completamente indiferente perante o tráfico de pessoas, desinteressa-se dos pobres ou procura destruir outro ser humano de que não gosta.

LIMITES DA PROPRIEDADE PRIVADA - 93

O princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma «regra de ouro» do comportamento social e o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social». A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. São João Paulo II lembrou esta doutrina, com grande ênfase, dizendo que «Deus deu a terra a todo o gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém».

CAPÍTULO III
A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA

DOMÍNIO DO MUNDO PELAS FINANÇAS - 109

A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. A finança sufoca a economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a lição do deterioramento ambiental. Nalguns círculos, defende-se que a economia atual e a tecnologia resolverão todos os problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não acadêmicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente com o crescimento do mercado. Não é uma questão de teorias econômicas, que hoje talvez já ninguém se atreva a defender, mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia. Aqueles que não o afirmam em palavras defendem-no com os fatos, quando parece não preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras. Com os seus comportamentos, afirmam que é suficiente o objetivo da maximização dos ganhos. Mas o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social.

ÀS VEZES, LIMITAR A TÉCNICA - 112

Todavia é possível voltar a ampliar o olhar, e a liberdade humana é capaz de limitar a técnica, orientá-la e colocá-la ao serviço doutro tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social, mais integral. De fato verifica-se a libertação do paradigma tecnocrático nalgumas ocasiões. Por exemplo, quando comunidades de pequenos produtores optam por sistemas de produção menos poluentes, defendendo um modelo não consumista de vida, alegria e convivência. Ou quando a técnica tem em vista prioritariamente resolver os problemas concretos dos outros, com o compromisso de os ajudar a viver com mais dignidade e menor sofrimento.

DEFESA DA VIDA, CONTRA O ABORTO - 120

Uma vez que tudo está relacionado, também não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto. Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis 94 que nos rodeiam e que, às vezes, são molestos e inoportunos, quando não se dá proteção a um embrião humano ainda que a sua chegada seja causa de incômodos e dificuldades: « Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida, definham também outras formas de acolhimento úteis à vida social.

SEM DEUS TUDO É PERMITIDO OU A CULTURA DO RELATIVISMO - 123

A cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objeto, obrigando-a a trabalhos forçados, ou reduzindo-a à escravidão por causa duma dívida. É a mesma lógica que leva à exploração sexual das crianças, ou ao abandono dos idosos que não servem os interesses próprios. É também a lógica interna daqueles que dizem: «Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia, porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis». Se não há verdades objetivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em vias de extinção? Não é a mesma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a finalidade de os vender ou utilizar para experimentação, ou o descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais? É a mesma lógica do « usa e joga fora » que produz tantos resíduos, só pelo desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade.

ESMOLA É PROVISÓRIA - 128

Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano: procedendo assim, a humanidade prejudicar-se-ia a si mesma. O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho.

UM NOVO SISTEMA ECONÔMICO - 129

Para se conseguir continuar a dar emprego, é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial. Por exemplo, há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos, quer em pequenas parcelas agrícolas e hortas, quer na caça e recolha de produtos silvestres, quer na pesca artesanal.

A TÉCNICA DEVE ESTAR A SERVIÇO DO HOMEM - 136

Além disso, é preocupante constatar que alguns movimentos ecologistas defendem a integridade do meio ambiente e, com razão, reclamam a imposição de determinados limites à pesquisa científica, mas não aplicam estes mesmos princípios à vida humana. Muitas vezes justifica-se que se ultrapassem todos os limites, quando se faz experiências com embriões humanos vivos. Esquece-se que o valor inalienável do ser humano é independente do seu grau de desenvolvimento. Aliás, quando a técnica ignora os grandes princípios éticos, acaba por considerar legítima qualquer prática.

CAPÍTULO IV
UMA ECOLOGIA INTEGRAL

PROPRIEDADE PRIVADA... PARA TODOS - 152

A falta de habitação é grave em muitas partes do mundo, tanto nas áreas rurais como nas grandes cidades, nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral cobrem apenas uma pequena parte da procura. E não só os pobres, mas uma grande parte da sociedade encontra sérias dificuldades para ter uma casa própria. A propriedade da casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e o desenvolvimento das famílias.

CONTRA A IDEOLOGIA DO GÊNERO - 155

A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza. Bento XVI dizia que existe uma « ecologia do homem», porque «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece ». Nesta linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação direta com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente. Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda « cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela ».

CAPÍTULO V
ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO

POLÍTICA E ECONOMIA DEVEM ESTAR A SERVIÇO DA VIDA HUMANA - 189

A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana.

LEI DA OFERTA E PROCURA - 189

A produção não é sempre racional, e muitas vezes está ligada a variáveis econômicas que atribuem aos produtos um valor que não corresponde ao seu valor real. Isto leva frequentemente a uma superprodução dalgumas mercadorias, com um impacto ambiental desnecessário, que simultaneamente danifica muitas economias regionais.

UM NOVO SISTEMA ECONÔMICO - 189

Em suma, o que não se enfrenta com energia é o problema da economia real, aquela que torna possível, por exemplo, que se diversifique e melhore a produção, que as empresas funcionem adequadamente, que as pequenas e médias empresas se desenvolvam e criem postos de trabalho.

COMPRAR É UM ATO MORAL - 206

Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político, econômico e social. Verifica-se isto quando os movimentos de consumidores conseguem que se deixe de adquirir determinados produtos e assim se tornam eficazes na mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção. É um fato que, quando os hábitos da sociedade afetam os ganhos das empresas, estas veem-se pressionadas a mudar a produção. Isto lembra-nos a responsabilidade social dos consumidores. «Comprar é sempre um ato moral, para além de econômico». Por isso, hoje, «o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós».

CAPÍTULO VI
EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS

MITOS DESTRUÍDOS, CONSTRUÇÃO DE UMA RELAÇÃO COM DEUS - 210

A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus objetivos. Se, no começo, estava muito centrada na informação científica e na conscientização e prevenção dos riscos ambientais, agora tende a incluir uma crítica dos «mitos» da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo.

TUDO COMEÇA NA FAMÍLIA - 213

Mas, quero salientar a importância central da família, porque « é o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da vida ». Na família, cultivam-se os primeiros hábitos de amor e cuidado da vida, como, por exemplo, o uso correto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito pelo ecossistema local e a proteção de todas as criaturas. A família é o lugar da formação integral, onde se desenvolvem os distintos aspectos, intimamente relacionados entre si, do amadurecimento pessoal. Na família, aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer «obrigado» como expressão duma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia.

GUARDAR A OBRA DE DEUS - 217

Entretanto temos de reconhecer também que alguns cristãos, até comprometidos e piedosos, com o pretexto do realismo pragmático frequentemente se burlam das preocupações pelo meio ambiente. Outros são passivos, não se decidem a mudar os seus hábitos e tornam-se incoerentes. Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa.

NÃO MALTRATAR OS ANIMAIS - 221

O reconhecimento de que Deus criou o mundo, inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar. Porventura uma pessoa, ouvindo no Evangelho Jesus dizer – a propósito dos pássaros – que «nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc 12, 6), será capaz de os maltratar ou causar-lhes dano?

MENOS É MAIS - 222

A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo. É importante adotar um antigo ensinamento, presente em distintas tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da convicção de que « quanto menos, tanto mais». Com efeito, a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o coração e impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento. Pelo contrário, tornar-se serenamente presente diante de cada realidade, por menor que seja, abre-nos muitas mais possibilidades de compreensão e realização pessoal. A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco.

SEDE SÓBRIOS - 222

É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entristecermos por aquilo que não possuímos. Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumulação de prazeres.

AGRADECER A DEUS ANTES DAS REFEIÇÕES - 227

Uma expressão desta atitude é parar a agradecer a Deus antes e depois das refeições. Proponho aos crentes que retomem este hábito importante e o vivam profundamente. Este momento da bênção da mesa, embora muito breve, recorda-nos que a nossa vida depende de Deus, fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da criação, dá graças por aqueles que com o seu trabalho fornecem estes bens, e reforça a solidariedade com os mais necessitados.

EMBELEZAR AS CIDADES - 232

Por exemplo, preocupam-se com um lugar público (um edifício, uma fonte, um monumento abandonado, uma paisagem, uma praça) para proteger, sanar, melhorar ou embelezar algo que é de todos. Ao seu redor, desenvolvem-se ou recuperam-se vínculos, fazendo surgir um novo tecido social local. Assim, uma comunidade liberta-se da indiferença consumista. Isto significa também cultivar uma identidade comum, uma história que se conserva e transmite. Desta forma cuida-se do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres, com um sentido de solidariedade que é, ao mesmo tempo, consciência de habitar numa casa comum que Deus nos confiou. Estas ações comunitárias, quando exprimem um amor que se doa, podem transformar-se em experiências espirituais intensas.

A MATÉRIA NOS SACRAMENTOS - 235

Os sacramentos constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida sobrenatural. Através do culto, somos convidados a abraçar o mundo num plano diferente. A água, o azeite, o fogo e as cores são assumidas com toda a sua força simbólica e incorporam-se no louvor. A mão que abençoa é instrumento do amor de Deus e reflexo da proximidade de Cristo, que veio para Se fazer nosso companheiro no caminho da vida.

ENCONTRAR A DEUS NO NOSSO PRÓPRIO MUNDO - 236

A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se de modo sensível, atinge uma expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-Se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus.

O DIA DO SENHOR – 237

 A participação na Eucaristia é especialmente importante ao domingo. Este dia, à semelhança do sábado judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O domingo é o dia da Ressurreição, o «primeiro dia » da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada. Além disso, este dia anuncia «o descanso eterno do homem, em Deus». Assim, a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa.

A VIDA ETERNA, O PARAÍSO CELESTE - 243

No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus (cf. 1 Cor 13, 12) e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim.  Na expectativa da vida eterna, unimo-nos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi confiada, sabendo que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Não sabeis que os santos julgarão o mundo? E, se o mundo há de ser julgado por vós, seríeis indignos de julgar os processos de mínima importância? Não sabeis que julgaremos os anjos? Quanto mais as pequenas questões desta vida! (I Coríntios 6,2-3)

http://www.cursoscatolicos.com.br/Há uma grande diferença entre julgar e apedrejar.
O julgamento que o Evangelho condena é o julgamento hipócrita ou imprudente.

Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu? Como ousas dizer a teu irmão: Deixa-me tirar a palha do teu olho, quando tens uma trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave de teu olho e assim verás para tirar a palha do olho do teu irmão. (Mt 7, 3-5).

Não julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça. (Jo 7,24)

São João Batista não perdeu a cabeça e depois foi apontar o adultério de Herodes: foi o contrário, apontou o erro e por isso perdeu a cabeça.

Até mesmo certa distinção de pessoas é lícita, como meio de preservar a reta doutrina e a moral.

Todo aquele que caminha sem rumo e não permanece na doutrina de Cristo, não tem Deus. Quem permanece na doutrina, este possui o Pai e o Filho. Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. (2Jo 1,9-10)
Pois eu, em verdade, ainda que distante corporalmente, mas presente em espírito, já julguei, como se estivesse presente, aquele que assim se comportou.
Em nome do Senhor Jesus -, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de nosso Senhor Jesus -, seja esse homem entregue a Satanás, para mortificação do seu corpo, a fim de que a sua alma seja salva no dia do Senhor Jesus. Não tenhais comunicação com aquele que, chamando-se irmão, é impuro, avarento, idólatra, difamador, beberrão, ladrão. Com tais indivíduos nem sequer deveis comer. (1Cor 5,3-5.11)
Mas, veja bem, estas atitudes de "excomunhão" e de julgamento são posteriores à tentativa de converter o pecador. Leiamos o Evangelho de São Mateus, no capítulo 18, que demonstra os três processos: de repúdio ao pecado, de tentativa de conversão e de excomunhão:
6. Mas, se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que crêem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar.
7. Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa!
8. Por isso, se tua mão ou teu pé te fazem cair em pecado, corta-os e lança-os longe de ti: é melhor para ti entrares na vida coxo ou manco que, tendo dois pés e duas mãos, seres lançado no fogo eterno.
9. Se teu olho te leva ao pecado, arranca-o e lança-o longe de ti: é melhor para ti entrares na vida cego de um olho que seres jogado com teus dois olhos no fogo da geena.
10. Guardai-vos de menosprezar um só destes pequenos, porque eu vos digo que seus anjos no céu contemplam sem cessar a face de meu Pai que está nos céus.
11. [Porque o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido.]
12. Que vos parece? Um homem possui cem ovelhas: uma delas se desgarra. Não deixa ele as noventa e nove na montanha, para ir buscar aquela que se desgarrou?
13. E se a encontra, sente mais júbilo do que pelas noventa e nove que não se desgarraram.
14. Assim é a vontade de vosso Pai celeste, que não se perca um só destes pequeninos.
15. Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás ganho teu irmão.
16. Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas.
17. Se recusa ouvi-los, dize-o à Igreja. E se recusar ouvir também a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um publicano.
18. Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu.
***
Curso online: Catecismo da Igreja Católica em exame

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Catequese que o Papa Bento XVI dirigiu aos grupos de peregrinos reunidos na Praça de São Pedro, no Vaticano, na quarta-feira, 17 de novembro de 2010, para a audiência geral. 
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Queridos irmãos e irmãs:
Também nesta manhã eu gostaria de vos apresentar uma figura feminina, pouco conhecida, à qual a Igreja, no entanto, deve um grande reconhecimento, não somente pela sua santidade de vida, mas também porque, com seu grande fervor, ela contribuiu para a instituição de uma das solenidades litúrgicas mais importantes do ano, a do Corpus Domini (em português, mais conhecida como Corpus Christi, N. da T.).
Estamos falando de Santa Juliana de Cornillon, conhecida também como Juliana de Liège. Possuímos alguns dados sobre sua vida, sobretudo por meio de uma biografia, escrita provavelmente por um contemporâneo seu, que recolhe vários testemunhos de pessoas que conheceram diretamente a santa.
Juliana nasceu entre 1191 e 1192, nas proximidades de Liège, na Bélgica. É importante sublinhar este lugar, porque naquela época a diocese de Liège era, por assim dizer, um verdadeiro "cenáculo eucarístico". Antes de Juliana, insignes teólogos haviam ilustrado lá o valor supremo do sacramento da Eucaristia e, sempre em Liège, havia grupos femininos generosamente dedicados ao culto eucarístico e à comunhão fervente. Guiadas por sacerdotes exemplares, tais mulheres moravam juntas, dedicando-se à oração e às obras de caridade.
Órfã aos 5 anos de idade, Juliana, junto à sua irmã Inês, foi confiada aos cuidados das religiosas agostinianas do convento-leprosário de Mont-Cornillon. Foi educada sobretudo por uma freira cujo nome era Sabedoria e que acompanhou seu amadurecimento espiritual, até que a própria Juliana recebeu o hábito religioso e se converteu, também ela, em freira agostiniana. Adquiriu uma notável cultura, chegando até a ler as obras dos Padres da Igreja em latim, particularmente Santo Agostinho e São Bernardo. Além de uma inteligência vivaz, Juliana mostrava, desde o começo, uma propensão particular à contemplação; tinha um sentido profundo da presença de Cristo, que experimentava vivendo de maneira particularmente intensa o sacramento da Eucaristia e meditando com freqüência sobre as palavras de Jesus: "Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos" (Mt 28,20).
Aos 16 anos, teve uma primeira visão, que depois se repetiu muitas vezes em suas adorações eucarísticas. A visão apresentava a lua em seu pleno esplendor, com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor a fez compreender o significado do que lhe aparecera. A lua simbolizava a vida da Igreja na terra; a linha opaca representava, no entanto, a ausência de uma festa litúrgica, para cuja instituição se pedia a Juliana que trabalhasse de maneira eficaz, isto é, uma festa na qual os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar sua fé, crescer na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.
Durante cerca de 20 anos, Juliana - que, enquanto isso, havia se tornado a priora do convento - conservou em segredo esta revelação, que havia enchido seu coração de alegria. Depois contou a duas ferventes adoradoras da Eucaristia: a Beata Eva, que levava uma vida eremítica, e Isabel, que a havia seguido ao mosteiro de Mont-Cornillon. As três mulheres estabeleceram uma espécie de "aliança espiritual", com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento. Também quiseram envolver um sacerdote muito estimado, João de Lausana, cônego da igreja de São Martinho de Liège, pedindo-lhe que interpelasse teólogos e eclesiásticos sobre o que elas carregavam no coração. As respostas foram positivas e motivadoras.
O que aconteceu com Juliana de Cornillon se repete frequentemente na vida dos santos: para ter a confirmação de que uma inspiração vem de Deus, é necessário sempre submergir-se na oração, saber esperar com paciência, buscar a amizade e aproximar-se de outras almas boas e submeter tudo ao juízo dos pastores da Igreja. Foi precisamente o bispo de Liège, Roberto de Thourotte, quem, depois das dúvidas iniciais, acolheu a proposta de Juliana e das suas companheiras e instituiu, pela primeira vez, a solenidade do Corpus Domini em sua diocese. Mais tarde, outros bispos o imitaram, estabelecendo a mesma festa nos territórios confiados aos seus cuidados pastorais.
Contudo, Deus frequentemente pede aos santos que superem provas, para que sua fé cresça. Isso aconteceu com Juliana, que teve de sofrer a dura oposição de alguns membros do clero e do próprio superior do qual seu mosteiro dependia. Então, por vontade própria, Juliana deixou o convento de Mont-Cornillon com algumas companheiras e, durante 10 anos, entre 1248 e 1258, foi hóspede de vários mosteiros de religiosas cistercienses. Ela edificava todos com sua humildade, nunca tinha palavras de crítica ou de reprovação para seus adversários, senão que continuava difundindo com zelo o culto eucarístico. Faleceu em 1258, em Fosses-La-Ville, na Bélgica. Na cela em que jazia, expuseram o Santíssimo Sacramento e, segundo as palavras do seu biógrafo, Juliana morreu contemplando, com um último arrebato de amor, Jesus Eucaristia, a quem sempre havia amado, honrado e adorado.
Para a boa causa da festa do Corpus Domini, foi conquistado também Tiago Pantaléon de Troyes, que havia conhecido a santa durante seu ministério de arquidiácono em Liège. Foi precisamente ele quem, ao tornar-se papa com o nome de Urbano IV, em 1264, quis instituir a solenidade do Corpus Domini como festa de preceito para a Igreja universal, na quinta-feira depois de Pentecostes. Na bula de instituição, intitulada Transiturus de hoc mundo (11 de agosto de 1264), o Papa Urbano também evoca com discrição as experiências místicas de Juliana, respaldando sua autenticidade, e escreve: "Ainda que a Eucaristia seja solenemente celebrada todos os dias, consideramos justo que, ao menos uma vez por ano, faça-se dela mais honrada e solene memória. As demais coisas, de fato, das quais fazemos memória, nós as apreendemos com o espírito e com a mente, mas não obtemos por isso sua presença real. No entanto, nesta comemoração sacramental de Cristo, ainda que sob outra forma, Jesus Cristo está presente conosco em sua própria substância. De fato, enquanto estava a ponto de ascender ao céu, disse: 'Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos' (Mt 28, 20)".
O próprio Pontífice quis dar exemplo, celebrando a solenidade do Corpus Domini em Orvieto, cidade em que então residia. Precisamente por ordem sua, na catedral da cidade se conservava - e se conserva ainda hoje - o célebre corporal com as marcas do milagre eucarístico ocorrido no ano anterior, em 1263, em Bolsena. Um sacerdote, enquanto consagrava o pão e o vinho, teve fortes dúvidas sobre a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no sacramento da Eucaristia. Milagrosamente, algumas gotas de sangue começaram a escorrer da Hóstia consagrada, confirmando, dessa forma, o que a nossa fé professa. Urbano IV pediu a um dos maiores teólogos da história, São Tomás de Aquino - que naquela época acompanhava o Papa e se encontrava em Orvieto - que compusesse os textos do ofício litúrgico desta grande festa. Tais textos, em uso ainda hoje na Igreja, são obras-primas nas quais se fundem teologia e poesia. São textos que fazem as cordas do coração vibrar, para expressar louvor e gratidão ao Santíssimo Sacramento, enquanto a inteligência, adentrando-se com estupor no mistério, reconhece na Eucaristia a presença viva e verdadeira de Jesus, do seu sacrifício de amor que nos reconcilia com o Pai e nos dá a salvação.
Ainda que, após a morte de Urbano IV, a celebração da festa do Corpus Domini tenha se limitado a algumas regiões da França, da Alemanha, da Hungria e da Itália Setentrional, o Papa João XXII, em 1317, restaurou-a para toda a Igreja. Desde então, a festa teve um desenvolvimento maravilhoso e ainda é muito especial para o povo cristão.
Eu gostaria de afirmar com alegria que hoje, na Igreja, há uma "primavera eucarística": quantas pessoas dedicam seu tempo a estar diante do Tabernáculo, silenciosas, para desfrutar de um diálogo de amor com Jesus! É consolador saber que muitos grupos de jovens redescobriram a beleza de rezar em adoração diante da Santíssima Eucaristia.
Rezo para que esta "primavera eucarística" se difunda cada vez mais em todas as paróquias, em particular na Bélgica, a pátria de Santa Juliana. O Venerável João Paulo II, na encíclica Ecclesia de Eucharistia, constatava que, "em muitos lugares, é dedicado amplo espaço à adoração do Santíssimo Sacramento, tornando-se fonte inesgotável de santidade. A devota participação dos fiéis na procissão eucarística da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça do Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam. E mais sinais positivos de fé e de amor eucarísticos se poderiam mencionar" (n. 10).
Recordando Santa Juliana de Cornillon, renovemos, também nós, a fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Como nos ensina o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, "Jesus Cristo está presente na Eucaristia dum modo único e incomparável. De fato, está presente de modo verdadeiro, real, substancial: com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade. Nela está presente em modo sacramental, isto é, sob as espécies eucarísticas do pão e do vinho, Cristo completo: Deus e homem" (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 282).
Queridíssimos amigos, a fidelidade ao encontro com o Cristo Eucarístico na Santa Missa dominical é essencial para o caminho de fé, mas tentemos também visitar frequentemente o Senhor presente no Tabernáculo! Contemplando, em adoração, a Hóstia consagrada, encontramos o dom do amor de Deus, encontramos a Paixão e a Cruz de Jesus, assim como sua Ressurreição. Precisamente por meio do nosso olhar em adoração, o Senhor nos atrai a Si, dentro do seu mistério, para transformar-nos como transforma o pão e o vinho (cf. Bento XVI, homilia na solenidade do Corpus Domini, 15 de junho de 2006). Os santos sempre receberam força, consolo e alegria no encontro eucarístico. Com as palavras do hino eucarístico Adoro te devote, repitamos diante do Senhor, presente no Santíssimo Sacramento: "Fazei-me crer cada vez mais em vós, que em Vós eu tenha esperança, que eu vos ame!".
Obrigado.


         No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:
Queridos irmãos e irmãs:
Santa Juliana de Cornillon nasceu perto de Liège, na Bélgica, no último decênio do século doze. Tinha dezesseis anos, quando, numa visão, lhe apareceu a lua no máximo do seu esplendor mas cingida com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor fez-lhe compreender que a lua simbolizava a vida da Igreja sobre a terra, a faixa negra exprimia a ausência duma festa litúrgica na qual os cristãos pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a sua fé e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento. Por outras palavras, faltava a Festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, que hoje temos, instituída pelo Papa Urbano IV cinqüenta anos depois da referida visão e por influência dela; este Papa, durante o seu ministério de arquidiácono precisamente em Liège, tinha conhecido Santa Juliana e deixara-se conquistar para a boa causa da Festa do Corpo de Deus.
Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação cordial a todos vós, em especial aos grupos brasileiros de Curitiba e de Propriá. O céu cubra de graças os passos da vossa vida e os preserve do pecado, para que os vossos corações possam, domingo a domingo, hospedar Jesus Eucaristia no meio dos homens. Sobre vós, vossos familiares e comunidades eclesiais, desça a minha bênção.
Tradução: Aline Banchier.
©Libreria Editrice Vaticana
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