O Sábado Santo, antes da solene Vigília Pascal, em que já se comemora a Ressurreição, é marcado pelo silêncio, pela ausência de celebrações, mas esconde um mistério pouco lembrado: após sua morte, o corpo de Cristo jaz no sepulcro, mas sua alma segue o curso natural de todos os homens de até então. Ele "desceu aos infernos".
O termo pode estranhar, mas aqui "infernos", do latim, significa apenas o "lugar inferior", segundo o Antigo Testamento, em que todas as almas repousavam. No hebraico, o termo é 
sheol. No grego, 
hades. Na tradução ao português do Credo apostólico rezamos: "Desceu à 
mansão dos mortos". 
Este fato é bem noticiado no Novo Testamento:
1. "Pois também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados - o Justo pelos injustos - para nos conduzir a Deus. Padeceu a morte em sua carne, mas foi vivificado quanto
ao espírito. É neste mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos
no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes." (1Pd 3,18-
19)
2. “A Boa Nova foi igualmente anunciada aos mortos…” (1Pd 4,6).
3. "os mortos ouçam a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem vivam" (Jo 5,25).
4. Cristo ressuscitado "detém a chave da morte e do Hades" (Ap 1,18)
5. "Jesus desceu às regiões inferiores da Terra. Aquele que desceu é precisamente o
mesmo que subiu" (Ef 4, 9-10).
O sheol era uma realidade até Cristo. Agora já não existe mais. Entendamos:

A Criação é um ato de bondade de Deus. Criou-nos por amor e para participarmos do seu amor. Para isso nos fez à sua imagem e semelhança, isto é, seres espirituais, capazes de conhecer e amar livremente.
Por sermos livres, podemos escolher amar ou não amar. O pecado, assim, é consequência possível da criação bondosa de Deus que não obriga ninguém. O pecado é um NÃO A DEUS, voluntário, e por isso não se pode dizer que a consequência do pecado (o afastamento de Deus) é vontade de Deus, mas fruto da decisão humana.
Deus criou-nos para viver com Ele eternamente, mas o primeiro pecado quebra essa harmonia entre criatura e Criador, de modo que ninguém mais, desde o pecado original, pode "ver a Deus". O pecado gerou a morte.
A pena do pecado original é a carência da visão de Deus (ninguém mais podia ver a Deus); mas o pecado original não é uma culpa atual (eu não cometi o pecado original, apenas carrego suas consequências, como uma herança humana). Então, antes de Cristo, mesmo sendo bom, justo, não se podia ver a Deus, mas nem por isso os justos poderiam sofrem a pena do pecado atual, que é o tormento do inferno eterno.
Os justos do Antigo Testamento, então, sofriam a pena de dano, a ausência de Deus, no sentido de uma angústia por não poder vê-LO, mas não a de sentido (o "fogo" corpóreo, o castigo/consequência da rejeição de Deus e conversão às criaturas). Esse "lugar" ou estado de alma também foi chamado de 
limbo. A parábola do rico e do pobre Lázaro supõe esse lugar, onde o atormentado podia ver o consolado no "seio de Abraão", isto é, no lugar dos justos.
Desde o pecado original, a história humana torna-se uma História da salvação: Deus prepara uma saída misericordiosa para essa enrascada em que o homem se meteu. Ele prepara e anuncia um Redentor, que viria libertar o homem da escravidão (da consequência) do pecado. Escolhe um povo e o encaminha para receber a salvação.
Na "plenitude dos tempos", isto é, quando a humanidade estava melhor preparada, Deus envia o Redentor, o Salvador -- quem diria? -- o próprio Filho de Deus, desde então desconhecido pois estava na Eternidade.
O homem não era capaz, mas só o homem, por ser livre, poderia corrigir seu destino. Deus é capaz, mas não poderia interferir na liberdade humana. 
Solução divina!: DEUS TORNA-SE HOMEM para sanar toda a humanidade. 
Jesus morreu realmente: desceu ao limbo, como todos. Mas alguém sem pecado não poderia sofrer a pena do dano. POR SER DEUS, venceu a morte e o diabo "que tem o poder da morte" (Heb 2,
14). "O morte, serei a tua morte, ó inferno, serei para ti como uma mordida." (Os 13,14).
ANUNCIOU O EVANGELHO – LIBERTOU OS SANTOS – ABRIU O CÉU 
Esse mistério é lembrado liturgicamente somente na Liturgia das Horas. Eis Ofício de Leituras do Sábado Santo (grifos nossos):
De uma antiga homilia de Sábado Santo
(In sancto et magno Sábbato: PG 43, 439. 451. 462-463) (Sec. IV)
A descida do Senhor ao reino dos mortos
   Um grande silêncio reina hoje sobre a
 terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, 
porque o Rei dorme; a terra estremeceu e ficou silenciosa, 
porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há 
séculos. Deus morreu segundo a carne e acordou a região dos mortos. 
 
  Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer 
visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar 
Adão do cativeiro da morte, Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu 
Filho. 
   Entrou o Salvador onde eles estavam, levando em suas mãos a
 arma vitoriosa da cruz. Quando Adão, nosso primeiro pai, O viu, batendo
 no peito, cheio de admiração, exclamou para todos os demais: «O meu 
Senhor esteja com todos». E Cristo respondeu a Adão: «E com o teu 
espírito». E tomando-o pela mão, levantou-o dizendo: «Desperta, tu que 
dormes; levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará».
   Eu 
sou o teu Deus que por ti Me fiz teu filho, por ti e por estes que 
nasceram de ti; agora digo e com todo o meu poder ordeno àqueles que 
estão na prisão: ‘Saí’; e aos que jazem nas trevas: ‘Vinde para a luz’; e
 aos que dormem: ‘Despertai’. 
   «Eu te ordeno: Desperta, tu que 
dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos 
mortos. Levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos. 
Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, minha imagem e semelhança.
 Levanta-te, saiamos daqui; tu em Mim e Eu em ti, somos um só.
  
 «Por ti Eu, teu Deus, Me fiz teu filho; por ti Eu, o Senhor, tomei a 
tua condição de servo; por ti Eu, que habito no mais alto dos Céus, 
desci à terra e fui sepultado debaixo da terra; por ti, homem, Me fiz 
homem sem forças, abandonado entre os mortos; por ti, que saíste do 
jardim do paraíso, fui entregue aos judeus no jardim e no jardim fui 
crucificado.
   «Vê no meu rosto os escarros que por ti suportei, 
para te restituir o sopro da vida original. Vê no meu rosto as bofetadas
 que suportei para restaurar à minha semelhança a tua imagem 
corrompida.
   «Vê no meu dorso os açoites que suportei, para te 
livrar do peso dos teus pecados. Vê as minhas mãos fortemente cravadas à
 árvore da cruz, por ti, que outrora estendeste levianamente as tuas 
mãos para a árvore do paraíso.
   «Adormeci na cruz, e a lança 
penetrou no meu lado, por ti, que adormeceste no paraíso e formaste Eva 
do teu lado. O meu lado curou a dor do teu lado. O meu sono despertou-te
 do sono da morte. A minha lança susteve a lança que estava dirigida 
contra ti.
   «Levanta-te, vamos daqui. O inimigo expulsou-te da 
terra do paraíso; Eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas no trono 
celeste. Foste afastado da árvore, símbolo da vida; mas Eu, que sou a 
vida, estou agora junto de ti. Ordenei aos querubins que te guardassem 
como servo; agora ordeno aos querubins que te adorem como a Deus, embora
 não sejas Deus.
   «Está preparado o trono dos querubins, prontos 
os mensageiros, construído o tálamo, preparado o banquete, adornadas as 
moradas e os tabernáculos eternos, abertos os tesouros, preparado para 
ti desde toda a eternidade o reino dos Céus».
Amém!