A Bíblia é a Palavra de Deus! – canta-se em nossas igrejas. Mas
deveríamos entender: a bíblia (mas não só ela) manifesta a Palavra de
Deus.
O homem pode, somente com sua razão natural, chegar a
reconhecer Deus. De fato, muitos filósofos admitiram a necessidade e
existência de um ser absoluto, eterno, causa e fim de tudo que existe.
Mas uma compreensão mais fácil e sem erro desse Ser se dá somente com
sua auto-revelação. Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos
pelos profetas, falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os últimos,
através de Seu Filho (Heb. 1, 1-2). A Palavra eterna de Deus se encarna e
nos dá a conhecer a plenitude do mistério divino.
O Verbo eterno
entrou no tempo (Jesus) e comunicou a vida íntima de Deus aos homens
daquele tempo, deixando o mandato do ensino: àqueles que escolheu
prometeu assistência infalível do seu próprio Espírito, para que todos
os povos participassem dessa revelação. Esse grupo, inicialmente os doze
apóstolos liderados por Pedro, depois seus sucessores, se tornam o
critério da verdade.
Posterior no tempo, mas tão importante quanto
essa Sagrada Tradição Apostólica, é a Sagrada Escritura. Deve-se ter em
mente que o que está escrito é o que era pregado. A palavra é anterior à
escrita. O Antigo Testamento foi escrito durante aproximadamente mil
anos, terminado por volta de dois séculos antes de Cristo. O Novo
Testamento começou a ser escrito por volta do ano 50 depois de Cristo
(duas décadas depois de sua pregação!) e só terminou por volta do ano
100. Muitos outros escritos haviam por esse tempo que não entraram no
conjunto do que conhecemos hoje como Bíblia.
Para a escolha dos
livros do Antigo Testamento, que é patrimônio também dos judeus, houve
duas tradições. Os judeus de Alexandria, colônia grega no Egito, por
volta do ano 200 a.C. escolheram 46 livros, dentre os quais 39 escritos
originalmente em hebraico, que foram traduzidos para o grego. Essa
versão é conhecida como Septuaginta ou “tradução dos Setenta” ou
simplesmente “LXX”, referência aos setenta sábios que teriam feito a
tradução para o grego. A segunda tradição é de apenas 39 livros. Judeus
nacionalistas reunidos em Jamnia por volta do ano 100 d.C. rejeitaram os
livros escritos em grego (1 e 2 Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico,
Sabedoria, Baruc e trechos de Daniel e Ester).
Já os Apóstolos
utilizavam a versão grega em suas pregações. Aliás, todo o Novo
Testamento foi escrito em grego. Desse modo compreende-se que a Igreja
Católica tenha assimilado os 46 livros do Antigo Testamento.
Também
houve controvérsias na escolha dos livros do Novo Testamento. Os livros
de Tiago, Hebreus, Apocalipse, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas foram
questionados por muito tempo. Aos poucos as próprias comunidades iam
rejeitando alguns escritos, que hoje conhecemos como apócrifos. A
definição do elenco dos atuais livros da nossa bíblia veio primeiramente
por meio de Concílios Regionais como o de Roma (382 d.C), Hipona I (393
d.C), Cartago III (397 d.C). Uma definição universal veio no Concílio
Ecumênico de Florença em 1442, reiterado em 1545 no Concílio de Trento,
contra a Reforma Protestante que adotou somente 39 livros do Antigo
Testamento.
Assim, a Bíblia como a conhecemos é fruto da Igreja
Católica, da Tradição Apostólica. Ambas – Sagrada Escrita e Sagrada
Tradição – estão a serviço da Palavra de Deus. A Bíblia, sem a devida e
autêntica interpretação da Tradição que a criou, pode se tornar letra
morta.
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