quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Todo o texto a seguir é cópia de trechos da Exortação pós-sinodal 
Querida Amazônia
do Papa Francisco, datada de 2 de fevereiro de 2020, publicada em 12 de fevereiro.


Com esta Exortação, quero expressar as ressonâncias que provocou em mim este percurso de diálogo e discernimento. Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não pretendo substitui-lo nem repeti-lo.
Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente.
7. Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.
Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos.
Capítulo I
UM SONHO SOCIAL
8. O nosso é o sonho duma Amazónia que integre e promova todos os seus habitantes, para poderem consolidar o «bem viver». Mas impõe-se um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazónia está a enfrentar, deve-se notar que «uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres»[1]. Não serve um conservacionismo «que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazónicos»[2].
14. Às operações económicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime
Capítulo II
UM SONHO CULTURAL
28. O objetivo é promover a Amazónia; isto, porém, não implica colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora o melhor de si mesma. Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir. 
37. Por isso, não é minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem. Uma cultura pode tornar-se estéril, quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem»
Capítulo III
UM SONHO ECOLÓGICO
Na Amazónia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando dizia que, «ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar “humana”, a qual, por sua vez, requer uma “ecologia social”. E isto requer que a humanidade (…) tome consciência cada vez mais das ligações existentes entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a ecologia humana»[47]. Esta insistência em que «tudo está interligado»[48] vale especialmente para um território como a Amazónia.
51. Para cuidar da Amazónia, é bom conjugar a sabedoria ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes[66]. A estes, especialmente aos povos nativos, cabe receber, para além da formação básica, a informação completa e transparente dos projetos, com a sua amplitude, os seus efeitos e riscos, para poderem confrontar esta informação com os seus interesses e com o próprio conhecimento do local e, assim, dar ou negar o seu consentimento ou então propor alternativas[67].
58. Assim, podemos dar mais um passo e lembrar que uma ecologia integral não se dá por satisfeita com ajustar questões técnicas ou com decisões políticas, jurídicas e sociais. A grande ecologia sempre inclui um aspeto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e nos grupos humanos. Infelizmente, muitos habitantes da Amazónia adquiriram costumes próprios das grandes cidades, onde já estão muito enraizados o consumismo e a cultura do descarte. Não haverá uma ecologia sã e sustentável, capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno.
59. De facto, «quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. Em tal contexto, parece não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe assinale limites; (…)
Capítulo IV
UM SONHO ECLESIAL
62. Perante tantas necessidades e angústias que clamam do coração da Amazónia, é possível responder a partir de organizações sociais, recursos técnicos, espaços de debate, programas políticos… e tudo isso pode fazer parte da solução. Mas, como cristãos, não renunciamos à proposta de fé que recebemos do Evangelho. Embora queiramos empenhar-nos lado a lado com todos, não nos envergonhamos de Jesus Cristo. Para quantos O encontraram, vivem na sua amizade e se identificam com a sua mensagem, é inevitável falar d’Ele e levar aos outros a sua proposta de vida nova: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16).
63. A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica. Seria triste se recebessem de nós um código de doutrinas ou um imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, aquele grito missionário que visa o coração e dá sentido a todo o resto. Nem podemos contentar-nos com uma mensagem social. Se dermos a vida por eles, pela justiça e a dignidade que merecem, não podemos ocultar-lhes que o fazemos porque reconhecemos Cristo neles e porque descobrimos a imensa dignidade a eles concedida por Deus Pai que os ama infinitamente.
64. Eles têm direito ao anúncio do Evangelho, sobretudo àquele primeiro anúncio que se chama querigma e «é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar duma forma ou doutra»
75. Esta inculturação, atendendo à situação de pobreza e abandono de tantos habitantes da Amazónia, deverá necessariamente ter um timbre marcadamente social e caraterizar-se por uma defesa firme dos direitos humanos, fazendo resplandecer o rosto de Cristo que «quis, com ternura especial, identificar-Se com os mais frágeis e pobres». Para isso, é sumamente importante uma adequada formação dos agentes pastorais na doutrina social da Igreja.
76. Ao mesmo tempo, a inculturação do Evangelho na Amazónia deve integrar melhor a dimensão social com a espiritual, para que os mais pobres não tenham necessidade de ir buscar fora da Igreja uma espiritualidade que dê resposta aos anseios da sua dimensão transcendente. Naturalmente, não se trata duma religiosidade alienante ou individualista que faça calar as exigências sociais duma vida mais digna, mas também não se trata de mutilar a dimensão transcendente e espiritual como se bastasse ao ser humano o desenvolvimento material. Isto convida-nos não só a combinar as duas coisas, mas também a ligá-las intimamente. Deste modo resplandecerá a verdadeira beleza do Evangelho, que é plenamente humanizadora, dá plena dignidade às pessoas e aos povos, cumula o coração e a vida inteira.
79. Um verdadeiro missionário procura descobrir as aspirações legítimas que passam através das manifestações religiosas, às vezes imperfeitas, parciais ou equivocadas, e tenta dar-lhes resposta a partir duma espiritualidade inculturada.
Assim, «não fugimos do mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com Deus».[118] Isto permite-nos receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos.
86. É necessário conseguir que o ministério se configure de tal maneira que esteja ao serviço duma maior frequência da celebração da Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas. 
87. O modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Por isso, é importante determinar o que é mais específico do sacerdote, aquilo que não se pode delegar. A resposta está no sacramento da Ordem sacra, que o configura a Cristo sacerdote. E a primeira conclusão é que este caráter exclusivo recebido na Ordem deixa só ele habilitado para presidir à Eucaristia[125] .Esta é a sua função específica, principal e não delegável.
88. O sacerdote é sinal desta Cabeça que derrama a graça, antes de tudo, quando celebra a Eucaristia, fonte e cume de toda a vida cristã[128]. Este é o seu grande poder, que só pode ser recebido no sacramento da Ordem. Por isso, apenas ele pode dizer: «Isto é o meu corpo». Há outras palavras que só ele pode pronunciar: «Eu te absolvo dos teus pecados»; pois o perdão sacramental está ao serviço duma celebração eucarística digna. Nestes dois sacramentos, está o coração da sua identidade exclusiva.
89. Os leigos poderão anunciar a Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns Sacramentos, buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons que o Espírito derrama neles.
90. Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazónia[132]
92. Ora a Eucaristia, como fonte e cume, exige que se desenvolva esta riqueza multiforme. São necessários sacerdotes, mas isto não exclui que ordinariamente os diáconos permanentes – deveriam ser muitos mais na Amazónia –, as religiosas e os próprios leigos assumam responsabilidades importantes em ordem ao crescimento das comunidades e maturem no exercício de tais funções, graças a um adequado acompanhamento.
99. Na Amazónia, há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decénios, sem que algum sacerdote passasse por lá. Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias, certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável dedicação e fé ardente. No Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho.
100. Isto convida-nos a alargar o horizonte para evitar reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um status e uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas, na realidade, este horizonte limitaria as perspetivas, levar-nos-ia a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e subtilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável.
103. Numa Igreja sinodal, as mulheres, que de facto realizam um papel central nas comunidades amazónicas, deveriam poder ter acesso a funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra e permitam expressar melhor o seu lugar próprio. Convém recordar que tais serviços implicam uma estabilidade, um reconhecimento público e um envio por parte do bispo. Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino.
Num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos pelo bem da Amazónia. A força do que une a todos os cristãos tem um valor imenso. Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às vezes, já não apreciamos nem valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o que nos permite estar no mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o vazio espiritual, o cómodo egocentrismo, o individualismo consumista e autodestrutivo.
Conclusão
A MÃE DA AMAZÓNIA
111. Depois de partilhar alguns sonhos, exorto todos a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazónia e libertá-la dos males que a afligem. Agora levantemos o olhar para Maria, a Mãe que Cristo nos deixou. E, embora seja a única Mãe de todos, manifesta-Se de distintas maneiras na Amazónia. Sabemos que «os indígenas se encontram vitalmente com Jesus Cristo por muitos caminhos; mas o caminho mariano contribuiu mais que tudo para este encontro»[145]


Related Posts
livro Reflexões para o Ano Litúrgico - Papa João Paulo II livros sobre Família e Matrimônio Curso de Iniciação Teológica via internet livro Doutrina Eucarística Curso de Mariologia via internet Martyria Cursos e Editora Curso de Latim via internet livro O Sacramento do Matrimônio - sinal da união entre Cristo e a Igreja Curso de História da Igreja via internet livreto do fiel - Missa romana na forma extraordinária - português/latim Curso via internet - Cultura Mariológica Curso online Catecismo da Igreja Católica em exame Curso de Iniciação Bíblica via internet livro A arte da pregação sagrada Curso via internet - Passos para uma reforma litúrgica local